dezembro 03, 2006

A Linguagem da Fotografia

A sintaxe visual renascentista introduziu nos sistemas pictóricos ocidentais a ilusão de um “efeito de realidade” e fez com que os pintores, escultores e desenhadores se empenhassem com todos os recursos técnicos disponíveis para produzir um novo código de representação que estivesse em melhor sintonia do “real visível”, e que fosse, portanto, a sua mais perfeita analogia. Mas, será que a fotografia também herdou essa particularidade do pictorialismo renascentista?
Susan Sontag, no seu conhecido trabalho “Ensaios Sobre Fotografia”, toca directamente no ponto. A fotografia não apenas prolonga a visão natural, como também descobre outro tipo de visão, a visão fotográfica, dotada de gramática própria, estética e ética peculiares. Para ela, a fotografia não é realista, mas sim surrealista, pois nasce do encontro espontâneo, fortuito e não premeditado da objectiva com o mundo, tal como as imagens surrealistas. Embora a fotografia gere obras que podem ser denominadas por arte, Sontag conclui que esta exige subjectividade, pode mentir, proporcionar prazer estético. A imagem fotográfica não é, à partida, uma forma de arte, em absoluto. Como a linguagem, a fotografia é um meio pelo qual as obras de arte, entre outras coisas, são realizadas.

Leitura e Significado da Imagem Fotográfica


Roland Barthes, no seu artigo “A Mensagem Fotográfica”, coloca que a imagem pretende ser análoga ao que se fotografou. Como análoga, a fotografia seria tão somente a transparência do real, que por ela se dá à mostra. Mas, esta conclusão, como o próprio Barthes vai concluir mais tarde, é simplista e parcial, pois confirma a isenção da ideologia dos produtores da imagem fotográfica. Como mensagem sem código, a fotografia contém um estilo. E é por aqui que se introduz sua conotação, ou o seu segundo significado.
As atribuições à imagem fotográfica levantadas por Barthes, atestam que o signo da fotografia é um fenómeno ideológico por excelência que reflecte e refracta a realidade visada por este tipo de representação. Uma fotografia é sempre uma imagem de algo. Esta está atrelada ao referente que atesta a sua existência e todo o processo histórico que o gerou. Ler uma fotografia implica em reconstituir no tempo seu assunto, derivá-lo no passado e conjugá-lo a um futuro virtual.
Um dos motivos da fotografia não transmitir ao leitor todas as informações nela contida advém da falta de aprendizagem da sua leitura. Um texto escrito não pode ser considerado uma linguagem em si. Este apenas desencadeia no intelecto do leitor um processo de leitura que, consequentemente, se transforma em linguagem. Na fotografia existe a necessidade de se referir à linguagem da imagem. Um analfabeto não compreende o texto de jornal, mas pode ler e assimilar parte das imagens.
O segundo motivo é o conhecimento dos elementos que compõem a imagem. Uma fotografia representando objectos ou factos desconhecidos é tão ilegível quanto um texto escrito em idioma que não se conhece. A fotografia é um objecto antropologicamente novo e o seu idioma comum pertence ao mesmo meio sócio-cultural. Não se pode afirmar que a linguagem fotográfica é universal. Não há imagem fotográfica que possa ser interpretada da mesma maneira por diferentes povos. A própria história de vida do indivíduo, e a classe sócio-económica em que está inserido, também é um factor a ser considerado.
A leitura de um texto se inicia com uma acção óptica e mental que se desenvolve simultaneamente, mediada por um contexto bio-social no qual o leitor já se encontra plenamente incorporado. O leitor primeiramente decifra as letras, para depois assimilar o sentido de cada palavra, estabelecer as relações entre as palavras e por fim tomar conhecimento da frase. Na fotografia, o processo de leitura pode ser decomposto em três fases: a percepção, a identificação e, consequentemente, a interpretação.
Este processo diferenciado de leitura provoca reacções emocionais mais espontâneas e mais intensas do que a leitura de um texto. Quando se lê um texto, as reacções psicológicas também se desencadeiam imediatamente, por m o sentido das palavras e das frases é , antes de tudo, mediado pela imaginação, para depois ser traduzido em imagens mentais. Na leitura da imagem fotográfica há um amplo e directo desencadeamento das reacções emocionais, pois esta já suprimiu essa fase intermediária que concebe mentalmente a imagem.
Todos estes níveis semânticos, essas atribuições à imagem fotográfica levantadas por Barthes, atestam que o signo da fotografia é um fenómeno ideológico por excelência que reflecte e refracta a realidade visada por este tipo de representação. Uma fotografia é sempre uma imagem de algo. Esta está atrelada ao referente que atesta a sua existência e todo o processo histórico que o gerou. Ler uma fotografia implica em reconstituir no tempo seu assunto, derivá-lo no passado e conjugá-lo a um futuro virtual.
No seu trabalho “A Câmara Clara” , Barthes aborda o enigma da fotografia exactamente na questão da linguagem. Conclui que a pintura pode muito bem simular a realidade sem jamais tê-la visto.
O discurso, idem, com seus referentes muitas vezes quiméricos. Na fotografia acontece o contrário, pois o próprio Barthes afirma que nunca poderia negar que a coisa fotografada realmente estivesse lá. Assim, ficam absolutamente assentes dois pontos: a realidade do referente fotografado e o seu passado. Uma fotografia é sempre uma imagem de algo. Esta está atrelada ao referente que atesta a sua existência e todo o processo histórico que o gerou. Ler uma fotografia implica em reconstituir no tempo o seu assunto, derivá-lo no passado e conjugá-lo a um futuro virtual.
Desta forma, os níveis conotativos e denotativos da linguagem fotográfica propostos por Barthes nos seus primeiros estudos, até chegar a reconsiderar a sua analogia com a realidade, comprovam que a fotografia não está limitada apenas ao seu referente; ela o ultrapassa na medida em que o seu tempo presente é reconstituído, que o seu passado não pode deixar de ser considerado, e que o seu futuro também estará em jogo.


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