dezembro 03, 2006

Fotografia - Arte ou Técnica Reprodutiva?

No seu artigo “A Obra de Arte na Época da sua Reprodutividade Técnica”, Walter Benjamin afirma que “com a fotografia, pela primeira vez, a mão se liberou das tarefas artísticas essenciais, no que toca à reprodução das imagens, as quais, doravante, foram reservadas ao olho fixado sobre a objectiva”. (Freund, 1982)
Os pressupostos de Walter Benjamin objectivaram a remodelação dos conceitos de cultura e estética, a partir da experiência suscitada pela reprodutibilidade técnica, que na sua essência é a própria continuidade da ideologia mercantilista. Mas, por que esta questão aparentemente técnica adquiriu tal relevância? Ainda Walter Benjamin: porque tal “possibilidade multiplicativa fere os valores que convertiam, até agora, a obra numa espécie de sucedâneo de uma experiência religiosa”.
De facto, a relação da arte dependia da instauração de três elementos e da interacção dos mesmos: aura, valor cultural e autenticidade. Além destes elementos, Benjamin referia-se também à unicidade, ou seja, a impossibilidade de reprodução da obra, a não ser pela sua falsificação. Questionando as origens filosóficas que conceituaram estes três elementos (aura, valor cultural e autenticidade) como fez o discurso industrial emergente, não é difícil perceber as consequências que abalaram os alicerces da teorização clássica. Em outras palavras, Benjamin, procurava a especificidade do discurso da arte na época da sua reprodutibilidade técnica. Neste sentido, a sua visão das novas formas de arte ( fotografia e cinema ), embora às vezes possa parecer contraditória , é a mais adequada à compreensão da indústria cultural. É a sua releitura do significado técnico da obra de arte que permite romper com posturas teóricas “mistificadas” e dadas como universalmente válidas.
Se na fotografia já estava contido o germe da reprodutibilidade técnica, com ela, agora, a câmara adere ao corpo como uma simples extensão do olhar que se dirige para onde se quer, uma espécie de terceiro olho, que permite fotografar sem pensar. Com as primeiras câmaras Kodak, lançadas em 1888, juntamente com o slogan “você carrega o botão, nós fazemos o resto”, presencia-se um corte radical, não só na História da Fotografia, como também na própria História da Modernidade. Surge não só uma nova relação com a luz, como também uma nova relação com o tempo. Fotografar tornou-se uma acção, um agir em si mesmo, e com idêntico grau de complexidade, apesar de se diferenciar, do acto de escrever.
Entretanto, a fotografia, enquanto técnica relativamente semelhante à que conhecemos hoje, surge no exacto momento em que os tradicionais meios de representação visual já se encontravam superados pela Revolução Industrial: o telégrafo, a máquina a vapor, a rotativa dos jornais e a explosão demográfica urbana, aliados à necessidade de escoar mercadorias, não poderiam mais depender dos demorados e imperfeitos processos artesanais de produzir imagens. Sempre existiu um espaço ideal e um momento propício para a adopção de determinada invenção pela sociedade. Neste contexto, portanto, não é difícil conceber que a viabilização da fotografia por meios técnicos - e de outras importantes invenções ocorridas entre os séculos XVII e XIX - nasceu de necessidades de ordem económica, social, política e cultural geradas nas sociedades em processo de industrialização crescente.
Como decorrência deste mesmo processo, a rápida absorção de tais inventos estava praticamente assegurada por parte da sociedade. As imagens desta nova era, mais do que nunca, precisavam de ser perfeitas e instantâneas, como o próprio espírito do capitalismo industrial emergente exigia. De todas as manifestações artísticas, a fotografia foi a primeira a surgir dentro do sistema industrial. Pode-se mesmo afirmar que a Fotografia não poderia existir como a conhecemos, sem o advento da indústria. Buscando atingir a todos, por meio de novos produtos culturais, a Fotografia possibilitou uma maior democratização do saber.

Sem comentários: