novembro 26, 2006

O Visual e o Fotográfico

Fotografar é apropriar-se da coisa fotografada. É envolver-se numa certa relação com o mundo que se assemelha com o conhecimento - e por conseguinte com o poder. (Susan Sontag)

Vivemos num mundo de imagens. Todos os pensamentos, desejos e fruições estão directamente relacionados com elas. As imagens são necessárias para melhor compreender o presente, o passado e o futuro. Qualquer que seja a área da acção humana, as imagens estão presentes para interpretar os fatos, explicitar os métodos e avaliar os resultados. A cultura contemporânea já incorporou o visual e o fotográfico. Longe da problemática que conduziu a pintura moderna à liquidez de sua própria linguagem, qualquer pessoa pode manipular uma câmara fotográfica, da mesma maneira que se utiliza de uma máquina de escrever, sem compromisso de fazer literatura.
Nesse sentido, a produção industrial das formas de representação não é unilateral, imposta de cima para baixo. Produzir fotografias que evidenciem a exteriorização dos nossos sentimentos, já é uma forma de criação. Isso talvez explique porque na fotografia há uma legião de fiéis que outros meios de expressão não possuem. A actividade fotográfica, antes de mais, conta com uma cumplicidade colectiva, como facilmente se verifica na incorporação da fotografia pela imprensa no mundo moderno.
A emancipação da Fotografia como linguagem ocorre no momento em que esta deixa de ser mero instrumento de registo da verosimilhança e passa a ser um meio para que o fotógrafo, ou mesmo o produtor da imagem técnica, exteriorize de maneira clara e objectiva a sua real visão do mundo e de si mesmo. A necessidade de ruptura com a visão estética do mundo, como forma de emancipação da linguagem fotográfica, associada à renovação temática, gerada em grande parte pela introdução da fotografia na imprensa, e a empatia por problemas sociais e humanitários do mercado leitor, abriu caminho para se considerar a máquina fotográfica como uma extensão do próprio olho.
O conhecido fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson afirma que “de todos os meios de expressão, a fotografia é o único que fixa para sempre o instante preciso e transitório. Nós, fotógrafos, lidamos com coisas que estão continuamente desaparecendo, e uma vez desaparecidas, não há nenhum esforço sobre a terra que possa faze-las voltar” (Bresson,1971). Este sempre defendeu a ideia de que não se pode revelar ou copiar uma memória, que ilustrava com analogias do tipo “o escritor dispõe de tempo para reflectir. Pode aceitar e rejeitar, tornar a aceitar, e antes de fixar seus pensamentos no papel, pode unir e associar vários elementos relevantes. Existe também um período em que o seu cérebro se esquece e o subconsciente trabalha na classificação dos seus pensamentos”.
Bresson concluía que, para “os fotógrafos, o que passou, passou para sempre”. A sua intenção, presente em cada imagem produzida, foi de surpreender e fixar os momentos cruciais da vida humana, caracterizada por um discurso visual poético, novo, onde o valor informativo é complementado pelo estético, revelando a sua potencialidade de criar uma nova sintaxe, própria da Fotografia. O fotógrafo inglês Bill Brandt, cuja obra, no princípio, também seguiu o caminho do documentário humanista, logo se definiu por um estilo mais intimista, próximo do surrealismo. Na sua opinião, nem sempre o fotógrafo é a testemunha imparcial dos acontecimentos que regista, quando afirma: “ às vezes, sinto já ter estado em determinado lugar antigamente, e que preciso tentar recaptar as minhas recordações”. O fotógrafo, neste caso, desprende-se da realidade dos factos, deixa-se guiar pela sua memória, aguardando o tempo, o dia, a hora exacta do dia ou da noite, para reencontrar um momento perdido na obscuridade: a imagem fotográfica que só ele mesmo sabe encontrar.

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